quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Obrigada pelo amor!

(imagem Google Search)


Há alguns anos, num bar da capital gaúcha, estava sentado, assim como algumas pessoas naquela madrugada. Conversas animadas, outras nem tanto. Eu estava no canto do bar, com meu cigarro mentolado pendido na boca enquanto brincava com o gelo do meu copo, elevei os olhos e pedi ao amigo garçom que me servisse mais uma dose, a saideira eu dizia.
Estava meio distraído, mas sem intenção ouvi a conversa de um casal não muito animado que estavam ao meu lado. Ela estava serena, muito calma mesmo, sorria lindamente, apesar de não mostrar os dentes, já ele estava muito nervoso, suava, era visto que tinha algo muito importante a falar. Ela bebia Martine, ele pediu uma dose de tequila e tomou num único gole, deu pra ver em seus olhos que não era acostumado com a bebida já que encheram d’água. De repente o baque, no susto ele diz:

_ Carla, estamos saindo há algum tempo, você sempre foi reservada e sempre te respeitei, talvez esse teu ar de mistério que tenha me atraído, mas hoje te chamei pra dizer que estou apaixonado por ti, quero ficar contigo mais do que uma noite, quero conhecer-te na tua casa e não num quarto de motel. Quero poder acordar ao teu lado e não te ver saindo quase que escondido antes do dia amanhecer. Ouso dizer que te amo, apesar de te conhecer tão pouco.

Ele coçava as mãos, passava as mesmas no rosto colhendo o suor. Ela por sua vez olhou fundo nos olhos dele, sorriu, deu um gole na sua taça e disse:

_Pedro meu querido, muito obrigada!

Ele olhou desconfiado para ela sem entender. E ela continuou.

_ Sei que não devemos agradecer pelo amor, mas não me leve a mal eu te agradecerei, já faz tanto tempo que ninguém me ama, e amor é uma dádiva, deve ser dado o valor.

Ele ainda ficou sem entender, respirou fundo, olhou para baixo, e olhou novamente para ela como que querendo buscar a resposta.

_Sabes que não morava aqui até 2 anos atrás não é? Eu agradeço teu amor, mas não posso retribuí-lo, já me apaixonei por vários homens na minha vida, namorei muito, caia de amores, bom, mas amar eu amei um homem só. E ainda amo, por isso não posso retribuir, desculpe.

Ela ia levantando da mesa quando ele segura sua mão.

_Carla, espera. É só isso que tens a me dizer?

_Sim é.

_Por favor, não faças isso comigo, eu digo que te amo e tu me agradeces, diz que amas outro e sai. Se o amas tanto assim a ponto de não me amar porque não estas com ele?

Isso foi arriscado, mas estava disposto a jogar com todas as armas, afinal aquela mulher que o fascinava tanto estava prestes a ir embora sem maiores explicações.
Ela o olhou e pela primeira vez desde que notei o casal ela tirou o sorriso do rosto, a vi respirando fundo como que buscando algo no fundo de um baú e aos poucos tirando a poeira acumulada.

_Eu sou casada, ou fui. Amo muito um homem e não consigo esquecê-lo, lembro dele todos os dias nos olhos do meu filho. Apesar de meu filho não ter nada a ver com ele, lembro como se fossem iguais.

Aquela revelação pareceu-me como um tufão na cabeça do rapaz. Vi ele perdendo as forças, soltando a mão dela com decepção. Ela percebeu e sentou, olhou em volta e me viu a olhando, voltou a pegar a taça dando um gole grande como que buscando forças no cristal para terminar a história.

_ Tenho 33 anos, fui casada durante 6 anos, há três anos atrás em uma viagem de comemoração pelo aniversário do nosso filho sofremos um acidente na serra. Comigo nada aconteceu, nem um arranhão, sai andando de dentro do carro. Meu marido morreu na hora. Meu filho resistiu bravamente, completou seus 5 aninhos na cama do hospital, cheguei a pensar, alias, rezei muito para isso na verdade, que ele resistiria, mas uma coisa que não sei explicar aconteceu. Eu havia adormecido na cadeira ao lado da cama, acordei ouvindo aquela risada gostosa achei que ele tinha acordado do coma e estava bem. Quando abri os olhos, o vi de pé, lindo, indo em direção a porta para dar a mão a um adulto, quando levanto os olhos pra ver quem estava na porta vejo meu marido. Os dois me sorriram, acenaram mandando beijos e saíram. Eu corri até a porta e pude vê-los andando pelo corredor, felizes, brincando. Quando tento entender achando que foi sonho, só percebo os enfermeiros entrando rápido no quarto pra conferir o que estava acontecendo já que o monitor cardíaco não parava de apitar. Meu menino estava tendo uma parada. Fiquei lá na porta olhando eles tentando reanimá-lo. Bom, enterrei os dois, juntei minhas coisas e me mudei, nunca mais falei com ninguém da minha família ou da dele.

Ele a olhava com desespero. Ela respirou fundo e voltou a sorrir. Eu continuei olhando pros dois.
Ela levantou e disse:

_Novamente obrigada!

E saiu, dessa vez ele não tentou segurá-la. Ele chorou, pois sabia que não a veria mais. Ela ainda me sorriu ao sair, já que percebeu que eu estava atendo a sua história.

Confesso que a história me pareceu inventada, afinal já ouvimos tantas assim, lendas urbanas, causos que o povo conta. Ano passado resolvi escrever um romance sobre essa história, foi um sucesso, esgotou-se na primeira semana. Houveram várias edições, Best seller. Voltava aquele bar esporadicamente tentando encontrá-la novamente, contar-lhe do sucesso do livro. Nas sessões de autógrafos ficava ansioso pensando que ela poderia ser a próxima da fila. Mas não, nunca mais a vi. Sonho com ela às vezes, com seu marido e filho passeando no parque de mãos dadas, e sorrindo, mas dessa vez mostrando todos os dentes.