quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Nudez

(pintura de John Collier - Lilith)

Vesti-me de maldição.


Explorei o negro das cores
e a luz dos quartzos facetados,
esquivei-me do olhar róseo dos sonhos
e permaneci a espreita dos eclipses solares,
aquele tom amarelo-laranja-avermelhado...
quase fogo. Um louvor ao céu escuro.

Minha túnica sagrada de sacerdotisa soturna
fez-me bela a luz do luar de Lilith.

Carrasco

(foto João Sampaio - Silêncio do Escuro)


Deixo minhas impressões digitais
em lanças cravadas nos corpos alheios.
Deixo rastros da minha crueldade
em vidas tantas desfeitas.
Eu algoz, voraz e inoportuno.
Sorrateiro desfaço os laços
primorosos de uma vida extasiante.
Eu fera, dilacero almas e liquefaço
sonhos que serão bebidos como desjejum.
E enfim saciarei minha ânsia de solidão.

Da lágrima, chuva ácida,
que molha e corrói o peito,
dor lancinante focada no ser.

Do desconexo do meu pensamento

(foto Gonçalo Sousa - s/t)

Subi a íngreme escada do caminho retilíneo
num horizonte previsto e traçado.
Não me curvei, não me esquivei,
mantive-me parado.
Ansiei que aliviasse a dor
de meus turvos olhos, míopes
por forçar a vista a frente
atrás de um sonho róseo e almejado.
E nada!
O medo sorria-me quase sadicamente.
Via todos os dentes!
Perfeitas madrepérolas do crânio.

Bebi o vinho em uma taça feita de âmbar,
só não percebi a cicuta misturada ao líquido fermentado.
Era tarde!

Meu pensamento antes confuso
tornou-se desconexo
e já não mais me fazia sorrir ante a adversidade.
Perdi-me

Mãos hábeis

(foto Alexander Kharlamov - Dark Disease)

Antes:
carinhos,
afagos.
Agora:
rasga-me a tez
com teu toque rude.
Sinto toda a pressão
nos teus dedos...

Sonhos?
Devaneios?
Antes fosse,
daí não teria
os hematomas
como tatuagens.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Inquisidora

(imagem Google Search)



Adentras minha carne cansada,
trêmula, suada.
A pele fina e pálida,
os olhos sem viço.
Percorre meus vícios atrás de respostas,
encontra vestígios mundanos ou não,
mas fere-me com línguas mordazes.
Tenho meus sonhos de vida perdidos
nos cravos de tua silhueta.


quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Whitechapel

(imagem Google Search)


Banhei-te de suco vital
os ladrihos pecaminosos.

Fiz-te virgem de novo,
purifiquei-te na ponta
de minha navalha prateada.


Duelo

(foto Rui V. - The Facelles)

Cortei as cruéis linhas
pendidas de minha sanidade,

caíram os pesos de uma
consciência embutida.

Jekyll e Hyde dançaram
para mim sinuosamente.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Num quase desabafo.

(foto Vasco A. - Deixo-vos a pensar...)
Tenho um grito contido na garganta
- está lá, na base da língua – prontinho...
mas não sai!

É como um quase grito,
um quase gozo,
um quase...

Desfeita,
estou pelo caminho,
aos pedaços de um eu,
como pás de areia molhada.
Seca
serei mais como o chão
ou melhor, serei as ondulações do chão,
oscilações...

N’alma, parasitada, estão as dúvidas
do que me fizeram conter o grito.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Normalidade

(foto MARIAH - (sem aspas nem itálicos))


Em permeio ao lugar comum e qualquer lugar,
estou sem a inspiração necessária à vida.

Tudo igual. Exatamente igual e sempre.
E eu oca, cega, surda, muda.

Estreita era a estrada e se fez preciso encolher-me,
esquivar-me para não esbarrar nos espinhos
venenosos de meus próprios pensamentos.

Um caminho sem encostas, ladeiras, horizontes,
onde eu pudesse fugir de mim mesma.

Meio torpe meio tosco, refiz-me em fino cristal.
O medo se fez presente uma vez que me tornei frágil.

Diante da inevitável convivência,
percebi que sou o que me estraga.

Jaz à vontade, o livre arbítrio,
tornei-me escrava do comum.
Sou um clone da normalidade,
da mesmice. Banhada na ignorância.

Vencida na rotina, normalidade abusiva
que me faz ser só mais uma.


(duo com Malu Sant'Anna)