(Foto: Lena Queiroz) Porto Alegre, 28 de janeiro de 1975.
Meu amado Antonio Paulo Gusmão
Escrevo-te essa epístola, porém não sei para onde enviá-la, mal sei se estás vivo ou morto.
Mas mesmo não sabendo do seu paradeiro, necessitava escrever-lhe, contar-lhe tudo o que se passa em meu peito. Ainda amo-te e se no passado não pudemos ficar juntos, noutra vida espero que tenhamos mais sorte.
Meus dias estão contados, mal tenho forças para segurar a pena, mas esse desabafo era essencial. Lamento muito o acontecido, lamento tê-lo deixado esperando naquela noite, sofro muito por minha decisão errônea, mas eu era jovem e meu menino ainda necessitava de mim, não podia deixá-lo e nem levá-lo a um futuro incerto. Meu marido era um homem de posses e com certeza não deixaria a felonia passar em brancas nuvens. Sei que nada justifica minha covardia mas, por favor, me perdoe.
Durante esses anos todos tenho me julgado e condenado por tê-lo perdido. Lembro tão docemente das inúmeras tardes que passamos juntos, do teu beijo em meus cabelos, do cheiro da alfazema no campo onde nos encontrávamos. Guardo ainda comigo aquela flor cheirosa, que me desse quando decidimos fugir, e teu retrato amarelado do tempo, como se eu precisasse dele pra lembrar de teus olhos lindos olhando para meus lábios quando te fazia as juras de amor, juras eternas.
Vou-me agora. Esta carta levarei comigo, assim como a fotografia e a pequena flor, estarei esperando para entregar-lhe em mãos quando fores me encontrar no paraíso. Se já estiveres lá, peço a Deus que tenha compaixão de meu pobre coração que conheceu o amor num forasteiro e não no homem escolhido pela família, que viu num estranho a mais pura dádiva divina e por isso não viu pecado em sua traição, e te envies a mim. Rogo para encontrá-lo...
Da sempre sua Amada,
Ana Lúcia Alencar.